Seguros contratados nos casos de barragem

Seguros contratados nos casos de barragem
Seguros contratados nos casos de barragem
Foto: Reprodução

Seguros contratados nos casos de barragem

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo comentar artigo da lavra de Walter A. Polido, publicado no site da Editora Roncarati (www.editoraroncarati.com.br), 2017, sobre o tema riscos garantidos pelos seguros contratados no caso de barragens.

Palavras-chave: Barragens, Riscos Ambientais, Seguros.


1. Introdução

Walter A. Polido, advogado, árbitro em seguros e resseguros, parecerista e membro da Comissão Especial da Política de Resíduos Sólidos da OAB/SP, no artigo “Barragens: quais os riscos garantidos pelos seguros contratados?” (*1) , apresenta pioneiras reflexões sobre as bases técnicas dos seguros contratados pelos empreendedores do segmento de barragens.

Sensibilizado por ocorrências recentes no país, relativas a rompimento de barragens (casos Mariana e Brumadinho) e na pauta de vários projetos de lei encaminhando a questão ao Congresso Nacional, vê-se nas suas considerações, relevo nas proposições de compulsoriedade do seguro ambiental. Considera percalços que a compulsoriedade desse tipo de seguro traria ao desenvolvimento desse negócio no país e implicações para o meio ambiente.

Caminha o prestigiado parecerista nesse caso, para preparar o leitor às reflexões sobre a pertinência (ou impertinência) de se propor seguro compulsório em seara ambiental, por definições e conceitos essenciais à compreensão da matéria em debate; pelo elenco dos vários tipos de seguros envolvidos com os riscos de barragem; pela demonstração da evolução dos seguros de riscos de engenharia, riscos nomeados, riscos operacionais e dos seguros de responsabilidades civil geral para, subsequentemente, em apoteótica finalização de raciocínio, ao digressionar sobre seguro ambiental, concluir pela inadequação da compulsoriedade proposta em projetos de lei que discutem a oportunidade e a conveniência da respectiva implantação.

Confiram-se suas considerações para também alcançar conclusões e conhecimento sobre a matéria. Dessa forma:

2. Metodologia adotada

No presente trabalho, realiza-se uma leitura circunstanciada sobre os argumentos do autor, visitam-se referências bibliográficas sobre o tema seguro ambiental e, após uma apresentação de conceitos assumidos por Walter Polido, faz-se uma breve análise de tendências no Brasil para introdução do seguro ambiental compulsório, ensejadora de conclusões que rejeitam essa alternativa como válida na questão ambiental.

3. Barragens e o mercado de seguros

Barragens existem de várias categorias, dependendo do objetivo da obra, quais sejam, barragens para mineração, para açudes, para represas, enfim, constituem-se em barreiras artificiais que dão expressão ao abastecimento de água em zonas rurais, por exemplo, para produção de energia elétrica, outro exemplo, para regularização de curso de água, ou mesmo depósito de rejeitos oriundos da mineração.

No caso de rompimento de barragens, os danos são os mais diversos, abrangendo a própria obra de barragem, danos a terceiros e danos ambientais. Aliás, esse é o motivo pelo qual a garantia pelos riscos respectivos fica inviável pela contratação de um único seguro.

Em decorrência, o mercado de seguros apresenta uma pluralidade de espécies para cobertura de danos em barragens, a saber: (A) seguro para cobertura de danos a própria barragem (apólice para cobrir riscos na fase de construção); (B) seguro para cobertura de danos na fase operacional da barragem (apólice para cobrir riscos operacionais ou riscos nomeados); (C) seguro para cobertura de danos à terceiros (pessoais, materiais e extrapatrimoniais); (D) seguro para cobertura de riscos ambientais (apólice para cobrir poluição/degradação ambiental) e (E) seguro para cobertura de riscos por descumprimento de obrigação de fazer (apólice para cobrir inadimplemento/inexecução de ações corretivas em face de dano ecológico).

Suscintamente caracterizam essas modalidades de seguros:


(A) Do seguro para cobertura de danos à própria barragem

Essa espécie de seguro objetiva proteger os segurados de danos materiais imprevistos (de natureza súbita), o que faz pressupor que a cobertura respectiva não abrange a má gestão da obra, a falta de cumprimento de normas técnicas no projeto ou na execução da obra, a negligência, a imperícia e a imprudência.

(B) Do seguro para cobertura de danos na fase operacional da barragem

As apólices neste caso garantem barragens já construídas, obras entregues e em operação, quando a fase de testes já foi superada e, via de regra, cobrem riscos predeterminados (riscos nomeados pontualmente) ou a existência, uso e manutenção da barragem (riscos operacionais).

(C) Do seguro para cobertura de danos à terceiros

Garantem as apólices de Responsabilidade Civil Geral, quando assumidas frente a barragens, operações de contenção de rejeitos, paralização de atividades empresariais e/ou danos físicos as propriedades de terceiros. Observe-se, porém, que nessas apólices estarão excluídos a poluição ambiental e os danos ecológicos, visto que, informa Walter Polido (2017), no Brasil “não existe cobertura alguma para os danos ambientais ou ecológicos” na modalidade Responsabilidade Civil Geral.

(D) Do seguro para cobertura de riscos ambientais

Somente seguradoras estrangeiras comercializam o produto (desde 2004), compreendendo riscos de transporte de produtos perigosos: custos de limpeza, de remediação dos locais segurados, ecossistemas, contenção e salvamento de sinistros, seguro fiança judicial, lucros cessantes, dentre outros itens de não menor relevo, peculiares aos riscos industriais.

(E) Da cobertura por inadimplência de obrigação de fazer

Trata-se do Seguro Garantia, pela inadimplência de obrigação de fazer em face do segurado (manutenção corretiva de projeto ou de obra, por exemplo). “Ocorrendo a impossibilidade de o Tomador prestar a obrigação, a Seguradora a tomará para ela, podendo realizá-la ou contratar empresa para dar continuidade da operação avençada” (Walter Polido, 2017).

4. Seguro Ambiental e Compulsoriedade

Entendidas as modalidades de seguros que podem ser contratados para sinistros ambientais em barragens, o autor em destaque tece notas críticas valiosas relativamente a proposição do Seguro Ambiental Compulsório que, inclusive, registre-se, é ideário defendido em projetos de Lei em trâmite perante o Congresso Nacional. Confiram-se suas reflexões, resumidamente:

  • a. Impossibilidade de se oferecer tratamento igualitário em sinistros relacionados ao meio ambiente;
  • b. Dificuldade de se padronizar riscos ecológicos (complexos e de longa duração);
  • c. Conhecidas experiências negativas ao redor do mundo;
  • d. Desinteresse do setor securitário em segmentar os seguros massificados para cobrir riscos ecológicos;
  • e. Enfraquecimento das medidas e coeficientes de prevenção, visto que os empreendedores poderiam ousar acomodar-se e relaxar as boas práticas de prevenção de acidentes ambientais;
  • f. Transferência inapropriada do poder de fiscalização dos empreendimentos para as Seguradoras, ação que compete exclusivamente ao Estado (poder de polícia);
  • g. Possibilidade da compulsoriedade induzir coberturas ínfimas, insuficientes à recuperação ambiental em caso de sinistro.

5. Cenário brasileiro e tendências

Com efeito, tornar obrigatório seguro ambiental poderia ensejar a medida uma “licença para poluir” (Walter Polido, 2017), eis que o empreendedor acabaria por encontrar estímulo nessa garantia para correr riscos ambientais. Ademais, a política moderna presente na maioria dos países de primeiro mundo, relativamente ao meio ambiente e desenvolvimento sustentável, está calcada nos princípios da preservação e da precaução (Eco Rio 92), não sendo crível que o mercado de Seguros no Brasil arque com os altos custos da prevenção para desenvolver um produto compulsório nesse segmento. É que o risco ambiental é gravoso, pois que envolve danos coletivos (*2) e, não raro, de larga abrangência: emergentes, morais, lucros cessantes, perda de chance, planos de remediação longos e complexos.

Além do que, existe uma amplitude conceitual acerca da responsabilidade pelos danos ambientais, envolvendo, inclusive, o próprio Estado. O Superior Tribunal de Justiça inclui o próprio órgão fiscalizador como responsável solidário pelos danos ambientais quando constata omissão no poder de polícia que detém (*3). E, assim também, verifica-se falta de critérios normativos nos limites das indenizações, impondo-se, demais disso, multas, sanções penais e exposição negativa de imagem da atividade empresarial, tudo sempre suscetível de questionamentos judiciais demorados, até porque, a pretensão reparatória do dano ambiental é imprescritível (*4).

Questiona-se também a constitucionalidade de uma iniciativa dessas, na medida em que a correspondente obrigatoriedade para a Seguradora em assumir riscos ambientais (custos próprios da atividade de prevenção e da fiscalização estatal), fere os princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência.

Ora, os seguros ambientais na França, nos Estados Unidos da América e na Suécia não são obrigatórios. E experiências de imposição do seguro ambiental na Argentina, por sua vez, embotou o segmento. As seguradoras não desenvolveram o produto naquele país (*5). O que faz crer, portanto, que um seguro, apesar de obrigatório para o empreendedor, a final pode não engajar o segmento securitário, sendo despiciendo uma legislação nesse sentido.

Também assim, não se vê como provável que o mercado empreendedor, notadamente ligado a construção de barragens, assuma prêmios para abraçar riscos ambientais, valores de vulto, quiçá próximos aos valores dos danos ao meio ambiente se ocorressem (*6), pois que esse tipo de imposição lhes tolheria a livre iniciativa e livre concorrência, garantias constitucionais (artigo 1º, inciso IV c.c. artigo 170, caput, parágrafo único).

E o que se dizer do caos que se instalaria, frente a negativa e suspensão de licenças de operação, licenças de funcionamento, pelos órgãos ambientais fiscalizadores que, diante do seguro ambiental compulsório, atrelariam a emissão dessas autorizações a contratação desse seguro, num cenário empresarial que não tem por cultura a contratação de seguros e que está engatinhando nas propostas de governança corporativa (*7). Caos estendido as atividades das próprias seguradoras que, no Brasil, não possuem infraestrutura para implantação dessa modalidade de seguros (especialistas em subscrição, em inspeção, regulações de sinistros) (*8).

Enfim, a compulsoriedade não é prática e apresenta-se de pouca valia para reparações de ordem ecológica, porque não diminui o risco ambiental, resumindo-se a uma simples operação de ressarcimento, que não atende aos princípios da prevenção/proteção, onde melhor do que reparar é prevenir; onde melhor do que recompor é proteger.

A experiência internacional por sua vez, noticia a garantia financeira (fiança/caução), como solução para as auspiciosas ambições encaminhadas nos projetos de lei que objetivam a compulsoriedade do seguro ambiental como solução para os riscos de atividades empreendedoras frente ao meio ambiente. Assim noticia Walter Polido, os exemplos da Espanha e de Portugal, cujas legislações, apoiadas em diretiva da União Europeia (2004/35/CE), ofertam aos empreendedores escolher garantias financeiras que atendam a eventualidade de riscos ambientais, permitindo que o mercado de seguros no segmento ambiental cresça, além de atender objetivos empreendedores e garantias na contingência de degradação do meio ambiente, cabendo ademais, ao órgão licenciador da atividade empresarial decidir pela exigência (ou não) de quais e tais garantias, de acordo com o impacto do empreendimento, a prática de técnicas de prevenção, a existência de planos de contingências e/ou a intervenção para a reabilitação de área contaminada, regras de cobertura existentes no mercado de seguros e limites máximos de contratação.

6. Conclusão

Por derradeiro, tem-se a questão ambiental como um constante porvir, demandando educação ambiental, governança perene, plena capacidade de previsão e prevenção nas atividades empresariais que, de mais a mais, a cada dia vê-se densamente impactante no meio ambiente. O Seguro Ambiental compulsório, nessa perspectiva, não se apresenta como viável, porque no mercado de seguros os riscos são avaliados objetivamente, os prêmios calculados atuarialmente e quanto maior a incerteza, menor o estímulo a comercialização respectiva, e quanto maior o prêmio e as exigências contratuais, maiores serão os entraves no consumo do produto pelas atividades empreendedoras.

O momento recomenda adoção de outras iniciativas exitosas no mundo e estudos sobre os aspectos regulatórios existentes no país para viabilizar o crescimento do mercado de seguros.

7. Referências Bibliográficas

Pereira, Luciana Vianna, in “Seguro Ambiental: O que a legislação pretende e do que o meio ambiente precisa?”, disponível em <http://revistaeletronica.oabrj.org.br/wp-content/uploads/2017/11/PEREIRA-Luciana-Seguro-Ambiental-1.pdf >, acesso em 15/03/2020.

Pombo, Felipe Ramalho, in “Panorama de Aplicação da ISO 14000 no Brasil”, ebook Gestão&Produção, Abril/2008, disponível em <https://www.researchgate.net/publication/240972161_Panorama_de_aplicacao_da_norma_ISO_14001_no_Brasil>, acesso em 15/03/2020.

Portal do Superior Tribunal de Justiça, Jurisprudência, disponível em <https://scon.stj.jus.br/SCON/>, acesso em 15/03/2020.

Santos, Ricardo Bechara, in “Seguro Ambiental. Considerações Especiais sobre Projetos de Lei que objetivam sua regulamentação, alterando dispositivos do DL 73/66” disponível em <http://www.sindicatodasseguradorasrj.org.br/2016/06/28/seguro-ambiental-consideracoes-especiais-sobre-projetos-de-lei-que-objetivam-sua-regulamentacao-alterando-dispositivos-do-dl-7366-para-tornar-obrigatorio-seguro-de-responsabilidade-civil-do-poluid/>, acesso em 15/03/2020.


(*1) Editora Roncarati, disponível em <www.editoraroncarati.com.br>, acesso em 15/03/2020.

(*2) STJ, REsp nº 1.269.494/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon.


(*3) STJ. REsp nº 1.071.741-SP – Rel. Ministro Herman Benjamin.


(*4) STJ, REsp nº 1.644.195/SC - Rel. Ministro Herman Benjamin.


(*5) Ricardo Bechara Santos, in “Seguro Ambiental. Considerações Especiais sobre Projetos de Lei que objetivam sua regulamentação, alterando dispositivos do DL 73/66” disponível em <http://www.sindicatodasseguradorasrj.org.br/2016/06/28/seguro-ambiental-consideracoes-especiais-sobre-projetos-de-lei-que-objetivam-sua-regulamentacao-alterando-dispositivos-do-dl-7366-para-tornar-obrigatorio-seguro-de-responsabilidade-civil-do-poluid/> acesso em 15/03/2020.

(*6) É que o seguro ambiental é seguro de dano, ou seja, destina-se a cobrir o interesse segurável sobre uma determinada coisa. A cobertura cinge-se ao valor da coisa. E o dano ambiental pode superar esse valor, não podendo ser alcançado, portanto, pela cobertura da apólice (in “SEGURO AMBIENTAL: O QUE A LEGISLAÇÃO PRETENDE E DO QUE O MEIO AMBIENTE PRECISA?”, por Luciana Vianna Pereira, disponível em <http://revistaeletronica.oabrj.org.br/wp-content/uploads/2017/11/PEREIRA-Luciana-Seguro-Ambiental-1.pdf>, acesso em 15/03/2020).

(*7) Poucas são as empresas no país que têm SGA eficiente, que contemple um bom programa de gerenciamento de riscos e monitoramento ambiental (Felipe Ramalho Pombo, in “Panorama de Aplicação da ISO 14000 no Brasil”, ebook Gestão&Produção, Abril/2008, disponível em <https://www.researchgate.net/publication/240972161_Panorama_de_aplicacao_da_norma_ISO_14001_no_Brasil>, acesso em 15/03/2020).

(*8) Ricardo Bechara Santos, ob.cit., página 5.

Escrito por:
Elaine Rodrigues